terça-feira, 26 de junho de 2007

Traumas ou a terceira página de Ordanam

A pior coisa de estar delirando não é o fato de estar fora de si, mas sim de estar tão imbuído de si mesmo a ponto de deixar de ter controle sobre a própria personalidade, sobre a própria mente.

Delirar pode ser tão normal quanto conversar, tão normal quanto a conversa que estou tendo comigo mesmo agora, tão normal quanto o fato de só eu falar nessa conversa ...

O que preciso dizer é que você precisa lembrar dela, dela e dos outros que você fez sofrer, precisa sentir a dor deles.

Eu estou no meu apartamento, vigésimo sexto andar, tão alto quanto se pode imaginar estar, mas estou no chão, caído e morrendo de dor. Isso eu sei pois apesar do ser ilógico que sou, ainda assim, me admito como um ser racional, mas nesse momento também estou na Inglaterra, saindo de lá na verdade, indo em direção a outro país, França.

Estou atravessando o canal da mancha. A grandiosidade da engenharia humana que une esses dois países parece ínfima agora, estou bebendo um Scott mas sei que vou conseguir chegar onde eu quero antes de bater o carro em um poste qualquer.

Atravesso o canal já bastante bêbado e a Normandia parece brilhante demais num amanhecer desesperado para ofuscar os olhos de quem olhar para o céu, mas isso não me chama a atenção, só consigo pensar nela e no quanto é difícil prestar atenção nas linhas do asfalto sem esquecer de ficar somente entre duas delas enquanto dirijo, as duas que realmente estão lá.

Morrer aqui seria idiota demais, ainda mais sabendo que isso realmente ainda vai demorar para acontecer.

Ela chama-se Danara, ou prefere ser chamada assim, ela é diferente do resto das pessoas, ela vive num mundo onde a racionalidade escapa do controle. As vezes acredito que ela não seja mesmo desse mundo, as vezes acho que ela esta tão ligada a essência dele que seria impossível voltar de onde veio. Talvez fosse uma rainha ou algo parecido, mas aqui ela é só uma coadjuvante, mas não uma participante qualquer e sim uma agente da destruição.


Ela também era minha fornecedora de drogas quando vivia na Normandia, não é de estranhar os pensamentos que tenho por ela. Cheguei a achar que a amava, antes de destruir sua vida. Apenas mais uma vida, penso eu.

Ela me amava de verdade, me viciou pelo seu amor e pela realidade em que vivia, sua imaginação. Tinha medo que eu a deixa-se, sabia que isso aconteceria uma hora ou outra. O vício iria garantir minha volta, pelo menos ela pensava que sim, deu certo algumas vezes.

Quando resolvi voltar a viver na realidade tida como conceitual e mais aceitável, foi o mundo dela que ruiu, disse que iria morrer, eu lhe desejei paz para depois que isso acontecesse.

Agora estou voltando, bêbado como era o habitual, mas limpo de qualquer tipo de maquiagem que pudesse mascarar o mundo conceitual em que a grande maioria dos idiotas vivem.

Ela esta morrendo ...

Esta se libertando, como gostava de se referir a morte, mas esse processo de libertação é doloroso demais, de alguma forma posso sentir também, não se trata apenas de morrer, o corpo dela já devia ter morrido há anos atrás, se seu espírito não estivesse preso a esse mundo, não estivesse preso a mim.

Preciso me despedir ... ou senão o meu desejo de paz não passaria de palavras jogadas ao vento, não que realmente me importasse com ela, ou me importasse demais agora que estava morrendo, mas porque, se não chegasse a tempo, a paz que lhe desejei nunca chegaria.

Já estava próximo da sua casa quando vi Damaron entrando, era o irmão dela, ele provavelmente me mataria, ou pelo menos tentaria, se me visse ali naquela hora, a garrafa de Whisky havia acabado e eu já estava morrendo de dor de cabeça, ela poderia esperar, eu pensei ...

Só me atentei que ela já podia estar morta quando sai de uma loja de bebidas próxima, aos beijos com a garota Tequila.

Porque eu será que eu sabia que essa hipótese poderia estar tão certa? porque será que eu estava tão certo?

Pela primeira vez desde que a conheci, a deixei sozinha, larguei-a de minha mão e não liguei para o som seco do seu pranto, nem quis vê-la quebrada no chão.

Estava em lágrimas, gritava o mais alto que poderia gritar, sem que meus pulmões estourassem junto com minha garganta, gritava tanto como se não quisesse aceitar um fato, um não vários deles, de agora e do passado ... comecei a ouvir minha própria voz falando todas as verdades que sempre soube esconder.

_ Ou você é muito estúpido, mais até do que eu imaginava, ou está querendo tirar alguma brincadeira de mal gosto comigo. Achas mesmo que vou acreditar nessa idiotice, nessa mentira mais deslavada que as lágrimas que vertes agora ?

_ Sabes muito bem que não estas aqui só pra desejar adeus, que não estas aqui para renovar mais uma vez o desejo de que a alma dela descanse em paz.

_ Estas aqui para aliviar o peso da própria consciência, mesmo que nunca admitas isso, queres mais que tudo no fundo de sua alma o perdão deferido pela boca daquela que sempre te amou, queres perdão pela tua ineficácia como homem, como namorado, como ser humano.

_ Mais que tudo, queres dizer que a ama, mas que não teve coragem de admitir isso pra si, que não teve coragem de ter alguém a mais do que si mesmo pra se preocupar em amar, visto que amar a si mesmo já se provou uma catástrofe.

_ Queres como sempre tentar concertar as coisas quando sabes que não há mais soluções, buscando assim uma falsa impressão de procura por redenção.

_ Vai embora! admitas o fracasso que é sua própria vida, admita o quanto a sua influência na vida dos outros se mostrou um atraso, envergonhe-se de si mesmo e vá embora!

_ Nada do que estou falando agora vai trazê-la de volta, muito menos o que pretendes fazer ao ir lá, muito menos qualquer rumo do que pensas ou não pensas em fazer ou do que vá acontecer ou não.

_ Simplesmente vá e admita um novo background para sua vida patética, admita que também és um covarde e acima de tudo, admita sua dor.

Estou parado, estático, encostado na parede do meu apartamento, a dor não passou, mas sinto como se meu corpo estivesse imaterial, a dor existe e nunca foi tão forte, mas simplesmente não demonstro mais reação, também estou estático parada na frente da casa de Danara.

Depois de algum tempo, começo a ouvir sirenes, eles vieram pega-la, talvez ainda esteja viva, talvez eu ainda possa chorar na sua frente pelo menos, ou talvez ainda dê tempo de eu ir embora antes que ela saia por aquela porta.

Escolho a última opção.

Não que qualquer opção fosse boa nesse momento, ou ao menos fosse mais apropriada, eu simplesmente estava envergonhado demais, envergonhado de mim mesmo, pra pensar em fazer qualquer outra coisa se não sair dali, correndo com os olhos fechado para tentar não ver o que realmente estava sentindo.

Simplesmente sair, não estava mais no meu apartamento, nem na Normandia, estava indo embora, sentia algo estranho cortando minha garganta, agulhas espetadas pelo meu corpo inteiro, os olhos fechados não paravam de lagrimar, a última coisa que vi antes de abrir os olhos pela última vez antes de apagar, foi a máscara de oxigênio e um paramédico tentando pegar uma veia para o soro ou coisa parecida ...

Era eu quem estava indo para o hospital agora ... como?

Essa maldita dor poderia pelo menos passar um pouco agora ... será que eu vou morrer? não ... estou apenas sentindo a dor ... e a dor não para.

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Continua em A quarta página de Ordanam ou "Porquê as coisas erradas não dão certo quando devem dar erradas"

2 comentários:

Anônimo disse...

blah,blah... tão metodico e sistematico.

Enfim, qual bicha não é dramatica!!!

Edmir Amanajás Celestino disse...

hehehehe

Enfim aparecestes pra dizer alguma coisa ... apesar da identificação tão indireta.

Bom ... não gosto das coisas que escrevo, mas as vezes sinto necessidade de escrever, mesmo que seja pra apagar depois, e não ando com saco pra escrever mais do dramatizações metódicas e sistemáticas.

Isso sobre o seu ponto de vista ... pra mim o que escrevo independe de sentido ou de classificação ... é só um texto, como tantos outros que estão guardados no rascunho desse blog e que eu não terminei ou que não me agradaram a ponto de não publica-los.

Algumas pessoas gostam e eu não pedi isso para elas ... quem não gostar tão pouco merecem um foda-se quanto os primeiros, as opiniões aqui são bem vindas de qualquer forma ...

Aproveite tanto quanto a indiferença ainda conseguir lhe poupar de vir aqui ...

:*